🍋 SE A VIDA TE DER LIMÕES…
(...) e o licor mais profundo / da natureza, / intransferível, vivo, / irredutível, / nascido do frescor do limão, / de sua casa perfumada, / de sua simetria ácida e secreta. ― Pablo Neruda
Se a vida te der limões, é de boa praxe saber fazer uma limonada! Agora, além do sentido figurado, na prática, bom mesmo é saber fazer sobremesas como a desta newsletter. Além de não desperdiçar os limões, sua vida ficará mais doce.
Sobremesas espantam muitas pessoas da cozinha, sobretudo porque a maioria exige que se siga a receita à risca para que ela não desande. Mas nem toda sobremesa gostosa é difícil e, no caso deste creme de limão, o esforço é mínimo e a recompensa é grande. Ideal para quem gosta de sobremesas com um toque azedo e cítrico, pois essa fruta engrossa e tempera um creme de leite brevemente cozido com açúcar e essência de baunilha. Algumas horas na geladeira e pronto. Frutas finalizam trazendo não só sabor, mas também cor.
Antes de me despedir, gostaria de apresentar a Flávia Ribeiro, fotógrafa que assina as fotos desta edição. É a primeira sessão que faço desde que me mudei para Barcelona e foi uma alegria encontrá-la por aqui.
Até a próxima news,
Lena
*(...) y el licor más profundo / de la naturaleza, / intransferible, vivo, irreductible, / nació de la frescura / del limón, / de su casa fragante, / de su ácida, secreta simetría.
Posset de limão com frutas
O que eu chamei de creme de limão é mais conhecido como posset de limão ou lemon posset. Um posset era, originalmente, uma bebida britânica popular feita de leite coalhado com vinho ou cerveja, muitas vezes temperada, e que era servida quente. A bebida extinguiu-se e o nome foi reavivado no século XIX para nomear um doce à base de natas, açúcar e cítricos.
Gosto muito dessa receita porque além de gostosa é extremamente fácil e seu preparo cabe tranquilamente nos dias da semana. Também é uma mão na roda quando vamos receber amigos e temos muitos outros preparos pela frente. E foi exatamente isso o que me aconteceu recentemente em um almoço para o qual cozinhei um lombo de porco, arroz, farofa, abacaxi grelhado, cebolas assadas e salada de tomates. Não havia espaço para uma sobremesa que exigisse muito de mim, mas também não queria comprar uma pronta. O posset de limão foi perfeito, pois preparei em alguns minutos na noite anterior.
Escolhi acompanhá-lo com morangos macerados, pois estão sumindo do mercado e eu queria me despedir. Para quem não conhece o termo macerar, trata-se do processo de "marinar" a fruta no açúcar para que ela solte um pouco do seu suco, ao passo que se torna mais macia. Quanto mais tempo macerar, mais suco e mais macia fica. O resultado, nesse caso, é uma fruta de cor escarlate linda, embebida em um xarope doce de seu próprio suco.
Acho os morangos perfeitos para essa finalidade e, inclusive, é uma boa forma aproveitar aqueles que já não estão tão doces. Se quiser, você pode fazer com outras frutas também. Eu estou cogitando fazer a próxima leva de posset com aquela calda de maracujá com manga que compartilhei há uns meses ou com framboesas frescas, já que são facilmente encontradas por aqui.
Para ler e reler | Como cozinhar um lobo
Que alegria ver a Companhia de Mesa relançar Como cozinhar um lobo, clássico gastronômico escrito por M. F. K. Fisher. Muito celebrada, Mary Francis Kennedy Fisher é considerada por muitos a primeira a escrever sobre comida da forma como conhecemos hoje e é autora de diversos livros.
Como cozinhar um lobo foi publicado pela primeira vez em 1942, quando se vivia o momento mais crítico da escassez dos tempos de guerra. Foi justamente neste momento de racionamento e privações que ela escreveu um livro sobre comida. Ela dá conta desse assunto de um jeito interessante ― com caráter literário! ― que fazia pensar, instigava e até divertia as pessoas. Fisher tece comida, sabor, cultura, hábitos e até o amor através de histórias e receitas. Em sua essência, o livro é um argumento sobre a necessidade do prazer: “Já que devemos comer para viver, podemos fazê-lo com graça e gosto”.* E nos lembra que, mesmo em tempos difíceis, nos dedicarmos ao que e como comemos, é uma forma de mantermos um pouco da nossa humanidade.
Não poderia recomendar mais essa leitura que, mesmo depois de oitenta e um anos, segue relevante. Como o livro está em pré-venda, está com preço reduzido: R$ 74,90 a versão impressa e R$ 39,90 o E-book. Comprei aqui!
Para refletir | Lano-Alto

Dia desses trombei com um post do pessoal do Lano-Alto e me identifiquei tanto com o que disseram que achei válido reproduzir aqui. Tirando aqueles que são real e severamente acometidos por intolerâncias, acredito que estejamos nos privando de muito amor ― e de paz interior ― em nome de uma suposta saúde. Deixo a reflexão para vocês:
"Como que a gente mede o valor nutricional de algo incalculável? “Não como glúten, nem derivados de leite”. “Cortei o refrigerante tem 10 anos”. “Meu filho nunca comeu um ultraprocessado na vida”. É, parece que a gente está sempre atrás de um rótulo pra se prender, não é? Alguma linha que possa nos definir, apontar um caminho claro e nos salvar dos nossos problemas. Mas, talvez, a nossa resposta esteja na complexidade da vida. Em uma busca desenfreada pelo “saudável”, a gente esquece que a saúde é de biológicas, mas de humanas também. Tem muita saúde em um café super-torrado-adoçado (e misturado com bolacha maria!) da avó. Chega a ser tão desproporcional a carga afetiva x nutricional, que qualquer ingrediente físico ~do mal~ se desintegra instantaneamente assim que adentra o nosso sistema digestivo. Um danoninho oferecido para o seu filho por uma tia querida vai ensinar mais sobre o carinho e o amor do que destruir para sempre a sua flora intestinal. Ninguém aqui está incentivando o consumo louco de produtos artificiais e ultraprocessados. Justo nós, que vendemos o oposto disso. Mas a ideia é oferecer um convite para sair da paranoia simplista crosfiteira que nos aflige. Talvez, assim, talvez a raiz dos seus problemas não esteja na lactose ou na carne vermelha. Mas é bem provável que a paz mundial esteja perto de um bolinho de chuva frito feito por alguém que você gosta." Veja o post original aqui.
Vale a pena ler de novo…
Como nem todos vocês estavam aqui desde o começo desta newsletter, recapitulo os conteúdos dos últimos quatro anos. Tem muita receita, dicas, playlists e conteúdos bacanas:
Julho de 2019: Requente-se, reconforte-se e Porco, porco, porco.
Julho de 2020: Iogurte, mil e uma utilidades.
Julho de 2021: Sorvete caseiro e sem sorveteira.
Julho de 2022: Coalhada preguiçosa.
Para poetizar o limão
Hoje me despeço de vocês com um poema de Pablo Neruda. Dentre as muitas odes que escreveu a coisas elementares, uma delas foi ao limão. Não encontrei uma tradução para o português e não ousei fazer uma tradução livre de todo o poema ― apenas um trechinho para abrir a news. Então, aqui vai a versão original, em espanhol.
Oda al limón
De aquellos azahares
desatados
por la luz de la luna,
de aquel
olor de amor
exasperado,
hundido en la fragancia,
salió
del limonero el amarillo,
desde su planetario
bajaron a la tierra los limones.
Tierna mercadería!
Se llenaron las costas,
los mercados,
de luz, de oro
silvestre,
y abrimos
dos mitades
de milagro,
ácido congelado
que corría
desde los hemisferios
de una estrella,
y el licor más profundo
de la naturaleza,
intransferible, vivo,
irreductible,
nació de la frescura
del limón,
de su casa fragante,
de su ácida, secreta simetría.
En el limón cortaron
los cuchillos
una pequeña
catedral,
el ábside escondido
abrió a la luz los ácidos vitrales
y en gotas
resbalaron los topacios,
los altares,
la fresca arquitectura.
Así, cuando tu mano
empuña el hemisferio
del cortado
limón sobre tu plato,
un universo de oro
derramaste,
una
copa amarilla
con milagros,
uno de los pezones olorosos
del pecho de la tierra,
el rayo de la luz que se hizo fruta,
el fuego diminuto de un planeta.
Créditos:
Fotos: Flávia Ribeiro | Revisão: Eloah Pina
Como eu adoro te ler, Lena!
Outro dia ouvi no radio aqui na França uma critica ao nutricionismo e a essa coisa de olhar a comida apenas como numeros e valores nutricionais. Estou procurando no Google o livro dessa pessoa, mas não consigo encontrar. De toda forma, aquilo me fez pensar bastante. E qdo li o txt da Lano Alto ecoou essa ideia. Valeu por mais uma news