1. Passei cinco dias em Londres e apesar de ter tido momentos maravilhosos, voltei superdoente. Não vou entrar em detalhes, mas desde quando vivemos em um mundo onde uma comissária de bordo vê uma passageira passando mal, diz que sente muito por não ter um sal para ajudar na pressão e vai embora vender perfumes sem prestar nenhum outro tipo de ajuda e nem oferecer água?
2. Toda vez que viajo de avião perco a fé na humanidade. Se a gente não consegue obedecer nem as regras de não levantar do assento antes do sinal de luz se apagar e sai levantando afobado para pegar a mala na frente do coleguinha, não sei como vamos lutar contra desigualdade, mudanças climáticas, fake news, guerras e todos os outros tipos de mal. Por favor, não seja essa pessoa que levanta antes da hora. Aguarde pacientemente no seu lugar, a menos que você seja o coitado atrasado que vai perder a conexão.
3. Quando eu tinha 15 anos, fui fazer um intercâmbio de seis meses na Inglaterra. Fui parar no interior de Nottinghamshire, em uma vila que consistia em meia dúzia de ruas que se cruzavam e onde era normal haver cavalos e outros bichos no quintal das casas. Aquilo se juntou com o imaginário infantil de quem leu (e amou) O Jardim Secreto e de quem, alguns anos antes, havia lido um ou outro livro de Rosamunde Pilcher bem como havia conhecido Nigella Lawson e Jamie Oliver na televisão. Acho que tudo isso junto criou parte das minhas noções de conforto e amor por esse mundo idílico: um biscoito com chá e leite, uma torrada com manteiga e geleia de casca de laranja, uma torta recheada com cozido de carne, um passeio no campo úmido e chuvoso, o sonho de ter uma casinha no campo do tipo cottage, colher maçãs no pé (como eu fazia passeando nas ruas da vila onde morei) e uma taça de sherry antes do jantar. Voltar a Londres 15 anos depois da última visita, já perto dos quarenta e com outras noções ao meu respeito, fez eu perceber (e celebrar) o quanto da Inglaterra há em mim. Londres é bem diferente de onde morei, mas ainda assim reacendeu a cultura inglesa dentro de mim. Fico feliz que, finalmente, estejam celebrando a comida inglesa. Eu, que sempre gostei, tenho a abraçado cada dia mais, vide as últimas receitas que enviei para os colaboradores.
4. Vocês já repararam como a Inglaterra produz ótimos e importantes expoentes da culinária caseira? Há os televisivos Nigella Lawson, Jamie Oliver, Ottolenghi e, mais recentemente, Julius Roberts — autor da receita desta edição. Mas também muitos outros escritores e culinaristas notáveis: Jane Grigson, Arabella Boxer, Elizabeth David, Diana Henry, Nigel Slater, Anna Jones e Bee Wilson entre outros — e sem contar uns tantos outros cozinheiros!
5. Londres é uma cidade incrivelmente cosmopolita e infinita. Nunca dá (e nem dará) tempo de fazer tudo o que se quer — muito menos viajando com uma criança de dois anos. Dificuldade de me conformar à parte, consegui fazer muitas coisas legais. Todas as dicas estarão reunidas em um guia que sairá em breve para os leitores colaboradores. Se você ainda não contribui para a existência desta newsletter, considere fazer um upgrade no seu plano. Além de apoiar e manter viva uma publicação independente, você passará a receber uma edição por semana com mais conteúdo.
6. E por falar em leitores colaboradores e conteúdo exclusivo, os assinantes receberam, recentemente, duas edições que traziam receitas inglesas deliciosas:
Hot Cross Buns: os pãezinhos macios, levemente adocicados e enriquecidos com frutas secas que são tradicionalmente consumidos na época da Páscoa. Costumam ser partidos ao meio, tostados e untados com boa e generosa manteiga. Por sorte pude comer uns na minha viagem!
Devil on Horseback: um preparo das antigas, mas que segue delicioso com tâmaras (ou ameixas secas) recheadas e envoltas em bacon. Compartilhei diversas variações (algumas sem bacon para vegetarianos) que funcionam como entradas ou como um baita lanche no meio da manhã ou da tarde, quando bate aquela fome caprichosa.
Até a próxima news,
Lena
Curry com tomate assado do Julius
Na receita original, Julius Roberts faz um curry do zero: tosta as especiarias e depois as mói, além de usar folhas de curry. Como tais folhas não são facilmente compradas por nós do Brasil, resolvi adaptar a receita usando curry em pó. O prato ficou delicioso e acabou com uma etapa a menos, cabendo até num almoço de dia de semana.
Achei que ficou bem gostoso com tomates, além de possibilitar um prato vegetariano (para uma versão vegana, basta substituir o iogurte por um similar vegano, como iogurte de coco). Acho que outros legumes assados também ficariam uma delícia aqui — berinjela, batata e couve-flor para citar alguns — bem como alguns ovos cozidos. Usei apenas um tipo de tomate, que foi o que encontrei maduro, mas vocês podem (e devem!) misturar tipos diferentes.
Servi o preparo com um arroz basmati integral e adorei. Apesar de eu não ter na hora, umas folhas frescas de coentro iriam bem por cima, para finalizar. Ah, o caldo que desprende dos tomates assados é delicioso. Não jogue fora! Beba na hora, use para fazer um molho de salada ou use para chuchar um pão.
Para seguir e aprender mais sobre comida indiana
Embora seja o autor do curry desta news, Julius Roberts não é especialista em comida indiana. Eu mesma também conheço pouquíssimo dessa culinária de que tanto gosto, mas tenho tentado buscar cada vez mais fontes para me informar e, futuramente, me dedicar um pouco mais à prática.
Na viagem a Londres, comprei um livro clássico que já estava na lista de desejos: Indian Cookery, de Madhur Jaffrey (ed. Bloomsbury). O livro completou quarenta anos (!) e ganhou uma edição lindíssima, toda ilustrada. Foi com este livro que Madhur educou e mudou a percepção dos ingleses, e muitos outros, a respeito da culinária indiana. Posteriormente, a autora ganhou um programa de televisão. O preço do livro está salgado aí no Brasil, mas a versão digital para o Kindle está com preço razoável. Compre aqui.
Também sigo algumas culinaristas que fazem receitas indianas nas redes sociais e deixo duas delas aqui:
Chetna Makan: nascida em Jabalpur, Índia, começou sua carreira profissional como fashion designer. Em 2004 mudou-se para o Reino Unido e, após virar mãe, viu seu interesse por comida aumentar. Anos depois, Chetna acabou indo parar no famoso reality show Great British Bake Off e, desde então, tem se dedicado exclusivamente a cozinhar, desenvolver receitas e publicar livros — já são sete! Siga a Cheta aqui.
Meera Sodha: nascida em Londres, mas de origem indiana, Meera já escreveu três livros de receita premiados e é colunista do jornal The Guardian, no qual compartilha diversas receitas veganas. Siga a Meera aqui.
Para ouvir | Setentinhas, oitentinhas
Já que estou aqui em clima britânico, compartilho uma vez mais essa playlist para embalar o feriado que finalmente vem chegando! Como o próprio nome já diz, é uma seleção de músicas dos anos 70 e 80 e está cheia de hits de bandas inglesas: The Clash, Dexter Midnight Runners, The Stranglers, The Cure, Supertramp, The Rolling Stones e David Bowie, entre outros. Ela é boa para quem for cozinhar hoje à noite, já em clima de pistinha.
Para a Páscoa | Ovos da Mica Chocolates
Agora, chega de Inglaterra que a Páscoa tá aí e eu estou morrendo de amores pelos ovos da Mica Chocolates! Já falei do trabalho da Michele nesta news anteriormente, mas a cada ano ela se supera. Seus chocolates são deliciosos, têm recheios diferentes e por vezes ousados e toda sua comunicação visual — dos doces às imagens — é feita com muito esmero.
Este ano, o conceito para a Páscoa vem de uma frase em inglês comumente dita em lanchonetes e restaurantes diante de um pedido de ovos: how do you like your eggs? Ou, de que jeito você gosta dos seus ovos? A linha completa tem ovos comuns, ovos recheados, latas com mini ovinhos, bombons e ainda um ovo frito com recheio sabor pão na chapa — eu não disse que eram ousados?
A loja que fica em Pinheiros vale a visita, pois como a cozinha tem uma janela de vidro, é possível ver os chocolates sendo produzidos. Fica a dica para quem ainda não providenciou os ovos.
Babem junto comigo neste vídeo e nestas fotos.
Vale a pena ler e comer de novo
Como nem todos vocês estavam aqui desde o começo desta newsletter, ou como não puderam ler todo o conteúdo compartilhado, achei válido recapitular as edições de março dos últimos cinco anos. Tem muita receita, dicas, playlists e conteúdos bacanas:
Há um ano: Um peixe grelhado e cremoso trazia uma baita receita gostosa que repercutiu muito entre os leitores: um filé de peixe branco grelhado com molho de creme de leite, anchovas, alecrim, alho, alcaparras e pimenta calabresa. Perfeito, sem defeito. Trazia ainda dicas de livros de receitas e um perfil bacana para seguir.
Há dois anos: minha filha, Glória, tinha três meses e eu estava de licença maternidade.
Há três anos: Pudim de chia: é preciso estar atento e forte, uma news que carregava três receitas de pudim de chia - tradicional, com matcha e com chocolate. Vivíamos um dos piores momentos da pandemia e, sem perspectivas, buscávamos formas de nos fortalecer e resistir por meio da saúde e do afeto. A edição tinha ainda dica de livros que permanecem entre os meus favoritos, perfil bacana pra seguir, newsletter para assinar e sugeria iniciativas que estavam combatendo (e muitas ainda combatem) a fome.
Há quatro anos: Tomate em lata, o rei da minha despensa tratava de um dos meus ingredientes de despensa favoritos. As receitas eram três variações sobre o mesmo tema: papa pomodoro, Acquacotta e Ribollita. Recapitulei uma série de dicas de livros do universo gastronômico, mas que não eram de receitas: histórias, crônicas, biografias e estudos que li ao longo dos anos e dos quais gostei muito.
Há cinco anos: Para aproveitar o fim do calor foi a primeira newsletter de todas! Suas receitas compunham um menu que celebrava a leveza, o frescor e a facilidade. Os drinques, à base de vinho, eram ótimas pedidas para aquele final de dia abafado — e também bons exemplos do que fazer com aqueles vinhos "mais ou menos" que vira e mexe a gente tem em casa. Tinha ainda playlist e perfil para seguir.
Créditos:
Revisão: Eloah Pina
Ah, outra coisa que queria comentar: amo a cozinha indiana, mas sempre que vejo os ingredientes de uma receita, desisto. São sempre tantas especiarias, que sei que ficarão encalhadas por muito tempo no armário, que desisto.
Lena, passei 1 mês e meio na Inglaterra 2x (1 mês em Bristol e o resto em Londres) e te entendo perfeitamente. Morro de vontade de voltar... Poucos dias atrás reassisti ao filme Toast, aquele da autobiografia do Nigel Slater, e morri de amores e saudades.