O frio tem dado as caras por aí e tem sido um baita exercício me pôr no lugar de vocês já que aqui, no Hemisfério Norte, está um calor sufocante! Mas vocês já perceberam que faço tudo por vocês e por essa publicação!
É costume, durante os meses de inverno, falarmos de sopas e outros preparos quentinhos e sermos bombardeados por fotos de canecas fumegantes sendo abraçadas por mãos de quem veste blusões de lã. Mas será que os dias de salada já se foram? E se foram, será que deveriam ter ido? Pois eu continuo querendo comer saladas mesmo em dias mais frios. Só que de um outro tipo, com mais sustança ou mais amargas, talvez com sabores tostadinhos, molhos cremosos e em temperatura ambiente ou até mornas.
Foi pensando nisso que me lembrei da expressão americana “salad days are gone”. Na verdade, é uma expressão shakespeariana que fala sobre os dias de juventude que ficaram no passado. A frase que deu origem à expressão é uma fala da personagem Cleópatra da peça Antônio e Cleópatra, de 1607: “My salad days, when I was green in judgment, cold in blood, to say as I said then”*.
Gosto da ideia de usarmos a ideia comum de salada — verde, crua e fresca — para falarmos da juventude, quando somos imaturos (ou verdes), cheios de energia e ainda “crus” em uma série de questões. E esse papo, por sua vez, me fez lembrar do ótimo álbum Salad Days, do cantor canadense Mac DeMarco. A música que dá nome ao disco fala justamente sobre esse período da vida, e me lembro bem de ouvi-la ao vivo, há uns bons anos — nos meus idos “dias de salada”— em seu show no Sesc Belenzinho.
"Salad days are gone, missing hippy Jon
Remembering things just to tell ‘em so long"**
“Salad Days”, Mac DeMarco
Mas deixemos Shakespeare e Mac DeMarco de lado e voltemos às saladas e ao senso comum que nos faz pensar em legumes e hortaliças cruas, combinados e servidos frios. Acho que podemos sempre nos rebelar a essa predeterminação comum que, neste caso, é tão excludente. Saladas podem ser cozidas, frias, mornas, tostadinhas e até cremosas! Podem ser de vegetais e hortaliças, mas também podem ser feitas de macarrão e outros grãos; podem ser temperadas com vinagrete, iogurte, maionese, coalhada ou pesto. Podem conter pão, queijo, carnes e ovos. Ou seja, pode ser e ter de um tudo!
Inclusive, existe uma palavra pouco conhecida e quase nada usada ( que já deu até nome a uma empresa que eu tive anos atrás) e que aparece no dicionário quando procuramos por salada: “salsada”. A salada, em sentido figurativo, quer dizer “mistura confusa de coisas diferentes; salgalhada, salsada”.
Então, proponho ampliarmos nossa noção de salada, criando e incluindo muitas salsadas em nossos dias, mesmo nos mais frios!
Até a próxima news,
Lena
*Meus dias de salada, quando eu era verde no julgamento, frio no sangue, para dizer como eu disse então
** Os dias de salada se foram, sentindo falta do hippie Jon / Lembrando das coisas apenas para dizer até logo
SALADAS DE INVERNO
Aqui vão três receitas para te inspirar a seguir comendo legumes e hortaliças nos dias mais frios. Apesar de eu ter deixado receitas, são preparos que recebem bem modificações e podem ser feitos de olho e de acordo com suas preferências.
SALADA DE ENDÍVIA COM VINAGRETE DE MEXERICA
Endívia é uma folha bem interessante, crocante e de sabor amargo. Uma vez que soltamos suas folhas, tomando cuidado para não quebrá-la ao meio, obtemos pequenas barcas rígidas que são ótimas condutoras de molho. Como a época de mexerica está começando aí no Brasil (pelo menos é o que vejo pela tabela do Ceagesp), me lembrei de uma deliciosa receita de David Tanis e que está no livro Market Cooking (que está com preço ótimo na versão digital). Ela nada mais é do que folhas de endívias recheadas com um vinagrete de mexerica! Uma delícia para pegar com as mãos, equilibrar para não derramar esse precioso molho, e dar uma abocanhada!
É uma salada feita com ingredientes da estação, sóbria pela simplicidade, alegre pela cor e interessante pela mistura dos sabores amargo e cítrico.
SALADA DE TOMATE ASSADO, ERVA-DOCE E GRÃO-DE-BICO
Diana Henry é autora de diversos livros (já falei muito dela e deles por aqui), mas How to Eat a Peach é o meu favorito! Os textos são lindos e cheios daquele romance que só quem ama comer e cozinhar entende. As imagens os acompanham e criam cenários poéticos de refeições saídas de um sonho. Aliás, se eu fosse vocês, aproveitaria que os preços estão bons, tanto da versão física por R$165 (que conta com uma capa toda especial com a textura da pele do pêssego!), mas sobretudo a digital que está apenas R$25!
Essa salada combina tomates e erva-doce assados com grão-de-bico, e tudo isso com temperos que tiram os ingredientes da mesmice:
Harissa: Já falei dela anteriormente aqui e sei que não é fácil encontrar no Brasil, mas tente e, se achar, faça um pequeno estoque. Também vale trazer na mala quando for viajar ou encomendar para algum amigo que possa trazer.
Limão em conserva: consiste em um limão que foi preservado em sal. Com o passar dos dias o sal extrai o suco do limão e a fruta vai ficando imersa na salmoura. É delicioso e pode ser usado de muitas maneiras. Você pode até fazer a receita sem ele e tentar adicionar raspas de limão siciliano para não perder o toque cítrico, mas recomendo muito que você faça sua própria conserva porque é ridiculamente fácil e a única coisa que você vai precisar é de paciência para esperar eles ficarem prontos. Deixo aqui um vídeo do Ottolenghi para você ver como fazer.
Diana Henry sugere a salada em um menu de verão — o que faz muito sentido já que é a época em que os tomates estão no auge do sabor. Mas sei que ainda é possível achar tomates maduros aí no Brasil em feiras e mercados (pelo menos foi o que a grande maioria das pessoas me disse quando perguntei sobre isso no Instagram). Como a salada é assada e tem essas notas tostadas, além do calor da pimenta, eu acho que ela também cai bem em dias frios, servida em temperatura ambiente ou mesmo morna.
Observação: adaptei a quantidade de alho e os tempos de cocção.
SALADA DE BETERRABA COM RICOTA E CEBOLA ROXA
Beterraba é boa de todas as maneiras: crua, cozida, assada e em conserva! Aqui você pode usar tanto a assada quanto a cozida — fica a seu critério. Eu sou adepta de comprar beterrabas já cozidas e embaladas a vácuo, já que aqui em Barcelona as encontro assim com muita facilidade, com preços bem acessíveis e até em versões orgânicas. É uma forma de ganhar tempo pulando uma etapa, mas cozinhar ou assar sua beterraba não tem nenhum segredo (e ainda evita a embalagem plástica).
Aqui neste preparo, você irá temperá-las e servi-las sobre uma porção generosa de algum preparo cremoso que pode ser coalhada, ricota ou mascarpone. Eu fiz com ricota que era o que eu tinha na geladeira, afinal, aprendemos a fazer juntos na última edição. Se a sua ricota (feita em casa ou comprada pronta) estiver muito seca, bata com um pouco de leite ou creme de leite para ganhar uma textura mais cremosa. Finalize com um mix de ervas que tiver à mão.
DICAS:
Tempere as beterrabas enquanto ainda estiverem mornas
Caso as compre prontas, aproveite aquela água de sabor bem concentrado que vem na embalagem para usar no molho!
O cominho é optativo, mas eu acho que ele agrega demais e traz um toque inesperado
Quando eu sugerir ervas para finalizar, não é só para enfeitar, ok? É para usar de verdade, para trazer mais sabor e deixar seu preparo ainda mais interessante.
Eu usei ciboulette, mas você pode usar outra erva fresca ou mesmo um mix delas.
PARA RECAPITULAR | OUTRAS RECEITAS PARA O INVERNO
O arquivo da news está cheio de receitas de saladas que podem vir a calhar nos dias frios. Vamos a algumas delas:
Salada de feijão branco com ricota e figo
Salada de batata com coalhada e harissa
Couve-flor assada com molho tahine
Saladona de lentilha com repolho tostado
PARA MARATONAR | 4ª TEMPORADA DE O URSO
A quarta temporada da série O urso (The Bear) estreou nesta última quarta-feira, dia 25, e eu não acho que seja mera coincidência o fato de ter sido no dia do aniversário de Anthony Bourdain (ele faria 69 anos). Se tiver mesmo sido proposital, baita easter egg!
Como curiosidade, fica aqui um dos muitos vídeos do backstage da produção culinária que ficou a cargo de Courtney Storer — e que deve ter tido um trabalho hercúleo! Vale acompanhá-la no Instagram já que está sempre compartilhando fotos dos bastidores com os preparos que faz para as gravações, como ensina os atores a manipularem ingredientes ou montarem um prato e até quebrá-los.
Para quem perdeu: algumas edições atrás, quando o trailer foi lançado, recapitulei com vocês em que pé paramos ao final da terceira temporada. No Brasil, os novos episódios estão todos disponíveis no streaming Disney+.
PARA ADMIRAR | A NOVA COLEÇÃO DE JACQUEMUS
No próximo domingo, dia 29, o estilista francês Simon Porte Jacquemus lançará sua nova coleção intitulada Le Paysant, ou “o camponês”, na L’Orangerie do castelo de Versalhes. Inspirado em suas raízes camponesas, do Sul da França, Jacquemus resgatou diversas fotos de família para inspirar as fotos da nova coleção — muitas delas passam por plantações, colheitas e cestos de ingredientes. E, neste post, já é possível ver como essas referências se fazem presentes em alguns dos acessórios da coleção.
O mundo da moda, mais do que nunca, anda flertando com a culinária/ alimentação/ gastronomia e é legal ver uma pessoa desse porte, dentro do universo do luxo, prestar reverência ao seu passado campesino, não só lembrando e enaltecendo tendências e o futuro, mas fazendo questão de lembrar do passado e de onde veio:
“Por meio dessas imagens da memória da minha família, eu queria homenagear o passado para criar algo novo para o futuro” , resumiu o estilista.
Veja mais fotos aqui | Assista a série de mini vídeo da coleção aqui.
PARA AGUARDAR | NOBU, O DOCUMENTÁRIO
Estreia hoje, em Nova York, o documentário que retrata a vida do famoso chef Nobu Matsuhisa. Dono de um império que conta com mais de cinquenta restaurantes e dezoito hotéis espalhados pelo mundo, ganhou fama por fazer uma cozinha fusion, na qual a culinária clássica japonesa se encontra com ingredientes peruanos. Essa mistura se origina na sua história: ele começou lavando louça em um restaurante em Tóquio, onde, tempos depois, se tornou sushiman. Ali, um cliente peruano de ascendência japonesa o convidou para abrir um restaurante em Lima. Quando foi pôr seus conhecimentos em prática, não tinha acesso a diversos ingredientes japoneses e a solução foi adaptar as receitas para os ingredientes que estavam à sua disposição. Do Peru foi para o Alaska e de lá para Los Angeles, onde trabalhou em alguns estabelecimentos e conheceu seu futuro sócio, Robert de Niro, com quem abriria seu primeiro restaurante em Nova York.
Antes de chegar aos cinemas, o documentário estreou no famoso TriBeCa Film Festival.
Vamos ficar de olho para ver se, na sequência, chega a algum streaming.
PARA PROVAR | GELATOS ALBERO & JU PENTEADO
Para que estiver em São Paulo nos próximos dias, recomendo provar os gelatos especiais criados pela confeiteira Juliana Penteado e Fernanda Pamplona, sorveteira e proprietária da Albero dei Gelati! Fernanda e Juliana partilham valores importantes: o cuidado e esmero na escolha dos ingredientes, a valorização das frutas frescas e sazonais, a soma de técnicas à criatividade para dar vida a novos sabores e o uso comedido do açúcar.
Da combinação dos gelatos agrícolas, que são a assinatura da Fernanda, com os óleos essenciais e combinações criativas, assinatura da Juliana, nasceram três sabores deliciosos: maracujá com gerânio; leite queimado com coco e capim-limão, e abóbora com compota de laranja-bahia e trigo-sarraceno. Os sabores são vendidos nas três unidades da Abero, mas estão sujeitos à disponibilidade — então, corra!
E para quem não sabe, em paralelo com essa newsletter, trabalho como assessora de imprensa focada em gastronomia. Minha primeira cliente na retomada dessa carreira, que foi interrompida quando vim para Barcelona, é a Juliana Penteado, confeiteira brasileira radicada em Lisboa. Com apenas 34 anos, sendo sete deles na capital portuguesa, a Ju já tem dois endereços e se tornou apresentadora do MasterChef Portugal no fim do ano passado!
Recentemente, ela foi para o Brasil para uma série de eventos que bolamos juntas. A parceria com a Albero dei Gelati foi um deles e, ao mesmo tempo, um presente para mim, já que a gelateria era um dos antigos clientes do meu coração que deixei de assessorar quando vim pra cá.
SALADA: É TUDO UMA QUESTÃO DE PERSPECTIVA
“Noite passada jantei salada. Era uma salada de frutas. Tinha uvas. Era só de uvas. Era vinho.”
CRÉDITOS
Revisão: Eloah Pina
Oi, Lena. No post, você comentou sobre beterraba assada. Já tem algum post ensinando a assar a beterraba? Imagino que tenha algum segredo, devido à água da beterraba. Agradeço se puder indicar post ou ensinar. Beijo.
Que texto lindo. Está gelado sim, mas eu detesto sopas. E tomo sorvete no inverno, e champagne gelada claro. Acho que as estações não pegaram no Brasil, não se come feijoada o ano todo no Rio e na Bahia?