RECOMEÇOS: VOLTAR DE UMA CASA PARA A OUTRA
Há uma espécie de magia em ir para longe e depois voltar completamente mudado.* — Kate Douglas Wiggin
Estive no Brasil nos últimos quarenta dias já que aqui, em Barcelona, as férias longas acontecem nos meses de julho e agosto. Fugimos dos dias cálidos, nos quais a sensação térmica beira os quarenta graus e o sol só começa a baixar lá pelas 19h. E corremos ainda do buchicho da alta estação de turismo que lota as ruas e o metrô.
É sempre um grande conforto voltar para casa. E São Paulo, com todos os seus defeitos, ainda me faz lembrar de quem eu sou. É como se, já conhecendo a vibração da cidade, eu conseguisse entrar em sintonia com facilidade. Em algumas semanas, tenho a sensação de nem ter ido embora. Poderia relatar todas as sensações que tive, mas elas estão bem descritas nesta edição da news de agosto do ano passado — e ainda vêm acompanhadas de uma deliciosa receita de torta de tomate. Um ano depois, todas elas seguem sendo iguais.
Como mencionei nesse texto anterior, voltar para Barcelona também é, num misto de muitos sentimentos, voltar para casa. E desta vez celebrei o retorno recebendo algum dos nossos bons amigos daqui para um grande almoço árabe. Na verdade, meu primeiro grande almoço árabe. No meu caso, essa opção de cardápio vem carregada de muitas emoções e simbolismos. Isso porque, há muitos anos, minha avó materna, Lenita Hamu, fundou um restaurante árabe em Brasília — o Lagash. Um dia falarei dele em detalhes aqui, mas hoje conto que ele acabou se transformou em uma deli tocada pelas minhas tias Fátima e Mariângela. Além delas e do meu tio Leo Hamu, minha mãe também cozinha diversos pratos árabes magistralmente. Assim, cresci comendo comida árabe cotidianamente, junto com a brasileira. Tabule, coalhada, homus, babaganush, cordeiro com molho de romã, arroz bi sha’rieh (o famoso arroz com macarrãozinho), freekeh de frango, malabi entre muitas outras delícias.
Apesar de ter os sabores e o tempero da comida da minha mãe gravados na memória e nas papilas, eu nunca me lançava a fazer muitos pratos. Talvez justamente por isso, com medo de que os meus não tivessem aquele sabor tão familiar e que para mim são sinônimos de comida árabe, fui postergando a tarefa. Então algo mudou e eu senti uma urgência de fazê-los. Talvez porque eu, voltando para essa casa, quisesse sentir o gostinho daquela casa.
A volta de um amigo para o Brasil foi o motivo perfeito para me lançar na cozinha e juntar bons amigos em torno desta mesa farta — como sempre são as mesas libanesas e sírias.
E vocês, sabem fazer os pratos típicos das famílias de vocês?
Até a próxima news,
Lena
* “There is a kind of magicness about going far away and then coming back all changed.”
Você gosta desta publicação?
Recentemente, esta newsletter atingiu mais de 19 mil assinantes — o que não é pouca coisa, ainda mais se tratando de um conteúdo em “novo” formato. Agradeço de coração a todos que seguem nesta jornada comigo. É uma alegria ver essa comunidade crescer.
Há um ano eu lancei a versão paga com o intuito de oferecer mais conteúdo para aqueles que, como eu, valorizam os rituais em torno da mesa e gostam de fazer dele uma parte importante do dia a dia. Eu invisto muitos recursos neste projeto que tanto amo — e não apenas financeiros. Além dele, deposito aqui muitas horas de dedicação para pesquisar, ler, escrever e cozinhar em busca de receitas e dicas legais para vocês. Sei que pagar por conteúdo ainda encontra muita resistência no Brasil, mas sigo firme e forte acreditando que o valor de tudo isso fará sentido para cada vez mais pessoas — estamos falando de um conteúdo autoral, livre de amarras editoriais, publicidade e busca por cliques. Essa é, inclusive, uma maneira de manter a versão gratuita viva.
Excepcionalmente, estou abrindo esta edição da versão paga para que vocês possam ver do que se trata. Na semana que vem publicarei as demais receitas do almoço: as berinjelas assadas, o frango com especiarias, amêndoas, snubar e o molho tarator. Caso queiram desbloqueá-las, receber mais material todas as semanas e ainda contribuir para a existência dessa news e incentivar o mercado de conteúdo autoral, ASSINE AQUI!
Lembrando que são quatro edições mensais, sendo três exclusivas.
Almoço árabe
Fiz vários pratos para o almoço com meus amigos: tabule, coalhada, homus, berinjelas assadas com molho tarator e cebola frita, arroz bi sha’rieh e um frango assado com especiarias, amêndoas, snubar e tahine. Não vão caber todas nesta edição e, por isso, dividirei em duas newsletters.
Começo pelo “começo”: com receitas que acredito serem indispensáveis, que são mais fáceis e que cabem no dia a dia. Com o tempo, iremos somar outros preparos deliciosos do Oriente Médio, com destaque sempre para Líbano e Síria — países de origem das minhas duas famílias.
Labneh / Coalhada
A coalhada — originalmente chamada labneh — é um dos poucos preparos que já compartilhei com vocês inúmeras vezes pelo simples fato de comer com muita frequência e achar que ela combina com muitas coisas, e não só preparos árabes. Minha mãe sempre parte do leite morno, acrescenta um pouco de iogurte natural, deixa coalhar e então pendura para escorrer. Já eu faço de um jeito mais prático, mas acredito ter também um resultado delicioso: misturo iogurte (se tiver grego, melhor) e sal, amarro e deixo escorrer por algumas horas.
Hummus bi tahina / Homus
Lembro-me do meu professor de árabe, Mohamed, explicar que em árabe hummus é grão-de-bico e, aquilo que nós, brasileiros, conhecemos como homus é, na verdade, hummus bi tahina — ou seja, grão-de-bico com tahine (a pasta de gergelim). A versatilidade do homus, seu sabor suave e textura aveludada (e, de quebra, o fato de ainda ter caído nas graças de nutricionistas) fizeram ele ganhar o mundo. Ele consiste em grão-de-bico cozido batido com tahine, alho, limão e sal. Alguns truques ajudam o processo: uma colherzinha de bicarbonato na hora de cozinhar a leguminosa e algumas pedras de gelo na hora de triturar. Eu aproveito o fato de que aqui, em Barcelona, o grão-de-bico já cozido é vendido baratinho em todo canto, em tamanhos diferentes e até em versões orgânicas — quebra o maior galho!
Na minha casa sempre fizemos com as medidas de olho, mas na hora de tentar passar para o papel, me inspirei em uma receita do Ottolenghi.
Arroz bi sha’rieh
A maioria das pessoas no Brasil conhece esse prato como “arroz com macarrãozinho” — é como eu sempre o chamei. Ele consiste em quebrar com as mãos pedacinhos de macarrão do tipo cabelinho de anjo (ou fideos aqui em Barcelona) na manteiga clarificada antes de acrescentar o arroz, fritá-lo e, então, acrescentar a água. A tradução do nome original explica bem: arroz com cabelo. Na minha casa sempre fizemos o preparo com o arroz brasileiro tradicional, mas nesta versão eu usei o tipo basmati e fiquei muito contente com o resultado. Recomendo.
Taboulleh / Tabule
Não sei se poderia dizer que esta é a minha receita árabe favorita, mas definitivamente eu a como com muita frequência e em grandes quantidades! E eu sei que a minha receita não é a mais tradicional, visto que lá no Líbano eles fazem uma versão com muito mais salsinha, menos trigo e que acredito não levar pepino. Mas foi assim que meus ancestrais imigrantes faziam e é assim que eu cresci comendo na minha casa (e acredito que muita gente no Brasil também). Caso prepare uma grande quantidade, para durar mais de uma refeição, tenho uma dica importante: tempere apenas a porção que for comer naquele dia. Do contrário, a salada ficará aguada e murcha.
Para colocar na agenda | Nova temporada de Chef’s Table
Foi anunciada uma nova temporada da famosa Chef’s Table, série documental que investiga a vida de alguns expoentes da gastronomia mundial. Se no começo eram lançados episódios que iam atrás de chefs de cozinha, depois lançaram temporadas temáticas — sobremesas, pizzas e, agora, noodles. Por noodles, entenda tudo o que diz respeito a massas, sejam elas orientais, sejam ocidentais. A partir do dia 2 de outubro, na Netflix, vamos conhecer o trabalho de Peppe Guida (Itália), Guirong Wei (China/Reino Unido), Nite Yun (Camboja/ Estados Unidos) e Evan Funke (Estados Unidos). Assista ao trailer (em inglês) aqui e marque na agenda!
Para acompanhar | A viralização do pepino
Durante as minhas férias fui bombardeada por posts de saladas de pepino e matérias sobre o tal cucumber boy [menino do pepino]. Aparentemente, um canadense viralizou na “rede vizinha” — também conhecida como Tik Tok — com receitas protagonizadas por pepino. Há relatos dizendo que o pepino sumiu dos mercados até na Islândia.
Já vimos a moda da couve-flor, do avocado, do repolho, do pistache e outras ganharem fama meteórica por meio de influenciadores das redes sociais, trazendo impactos diretos para o mundo “real”. O pessoal da Crudo, agência de branding e conteúdo gastronômico, fez um pequeno post para explicar o burburinho. Siga o fio aqui!
Para apreciar | Castor Fleuriste
Sou uma grande fã do florista francês Louis-Géraud Castor. Seus arranjos são verdadeiros acontecimentos e tudo ali impressiona: a escolha das flores, a escala das montagens e os vasos — vira e mexe, ele usa vasos lindos feitos pela modelo brasileira Rachel Zimmermann.
Essa semana ele compartilhou esta belezinha da foto acima, feita com romãs, alface e o que eu acredito serem cerejas frescas. Lindíssimo, né?
Para ouvir | Música brasileira
A música brasileira é boa demais, né não? Compartilho aqui uma seleção de listas dedicadas a elas (umas compartilhadas anteriormente e outras não!) que ouço nos mais diversos momentos: para matar a saudade, cantar alto em bom português, dançar, descansar e também garantir que minha filha cresça ouvindo tudo isso que temos de bom.
Pitadinhas
— A série The Bear levou várias estatuetas do Emmy Awards na noite do último domingo, incluindo a de melhor ator em série de comédia para Jeremy Allen White (Carmy), de ator coadjuvante em série de comédia para Ebon Moss-Bachrach (Richie) e de atriz coadjuvante em série de comédia para Liza Colón-Zayas (Tina), entre outros. Se você está se perguntando se a série é comédia ou drama, você não está sozinho. A revista Gama até fez um post sobre isso. Leia aqui!
— O chef sueco Magnus Nilsson, que inclusive foi um dos personagens da primeira temporada de Chef’s Table (episódio 6), anunciou em seu Instagram a abertura de um novo projeto: um pequeno hotel que contará com restaurante e padaria, abrindo para café da manhã, almoço e jantar. A comoção no meio gastronômico é grande, dado que, em 2019, Nielsen fechou o aclamado Faviken. Nilsson avisou que não haverá menu degustação e que o valor será “uma fração” do que cobrava antes. Leia mais sobre o restaurante aqui e siga o Pensionat Furuhem.
— A Veja São Paulo publicou mais uma edição do guia Comer & Beber, que premia restaurantes, bares e cafés da cidade de São Paulo. A nova edição já está disponível nas bancas e os resultados podem ser acessados no site.
— Depois de doze anos como crítico de restaurantes do New York Times, Pete Wells se despediu do posto. Leia seu último texto aqui.
Créditos:
Revisão: Eloah Pina
Adoro homus e preciso testar urgentemente as suas dicas.
Ia dizer pela foto do tabule o que você disse no texto, minha tia avó que apreendeu com a família libanesa do marido dela colocava muito mais salsinha! E ela tinha uma dica que encontrei na receita do livro Jerusalém, que é não não deixar o trigo de molho na água, deixar que o próprio tempero e a água do tomate hidratem ele 😉