SANDUÍCHE DE FRANGO COM CURRY E O LÉXICO GASTRONÔMICO
Presunto e queijo entre duas fatias de pão não fazem um bom sanduíche. Adicione um pouco de maionese cremosa, talvez alguns picles e uns vegetais crocantes, e teremos um almoço decente.*
Na primeira aula do meu curso de cozinha, o professor leu conosco um léxico gastronômico de termos utilizados com mais frequência — tudo em espanhol. Passamos pelos básicos e não pude deixar de notar que há sempre aquela diferença interessante entre as línguas: aqui na Espanha existe o verbo cremar para quando se adiciona creme de leite ao preparo; untar é camisar. Então, o professor leu "salpimentar: condimentar con sal y pimienta". Um pequeno detalhe, mas que eu achei genial. Quem escreve receitas e lê com frequência sempre vê o "sal a gosto" seguido da "pimenta-do-reino a gosto" na lista de ingredientes e, na sequência, "tempere com sal e pimenta-do-reino" no modo de preparo. O sal quase sempre vem acompanhado da pimenta nos pratos salgados. Entender como as coisas se dão na vida e traduzir isso, amalgamando o sal e a pimenta numa única palavra, é uma das coisas que me encanta na escrita. Para minha alegria, vi que essa palavra existe em português! Um verbo transitivo direto que, segundo o dicionário Michaelis, significa "Pulverizar com sal e pimenta, para temperar", enquanto no sentido figurativo significa "Maltratar com palavras ásperas.".
Por que nunca vi esse termo em receitas antes? A partir de agora salpimentarei meus preparos. E, juntos, poderemos salpimentar esse sanduíche de frango delicioso e cremoso, feito com iogurte e temperado com curry!
Até a próxima news,
Lena
*Ham and cheese between two slices of bread do not make a great sandwich. But add some creamy mayonnaise, maybe some bright pickles, and some crunchy vegetables, and we got a decent lunch going on. – J. Kenji Lopez-Alt
Sanduíche de frango com iogurte e curry
Os americanos chamam de chicken salad (salada de frango) esse preparo de frango cozido/grelhado desfiado, normalmente acompanhado por salsão e temperado com maionese. Pode ser servido puro ou como recheio de sanduíche — meu jeito favorito de servir e consumir.
Acho que sanduíches podem ser ótimas refeições, e sinto que muita gente não se dedica à eles o quanto poderia e deveria, relegando os bons para as lanchonetes. É possível fazer ótimos sanduíches em casa - daqueles que realmente alimentam -, mas eles demandam um pouco de carinho e não consistem apenas em empilhar um ingrediente em cima do outro. Compartilho abaixo pontos que me guiam na hora de fazer os meus:
Use bons ingredientes: a qualidade do resultado final está diretamente ligada à qualidade dos seus insumos. Invista nos melhores que puder comprar.
Tenha bons molhos e condimentos: sanduíche seco não está com nada! Faça sua própria maionese ou outros molhos, como o russo (feito à partir da maionese) ou use e abuse de boas mostardas: de Dijon, à l'ancienne (em grãos), escura ou amarela misturada com mel. Tenha ousadia: coloque uma boa quantidade e, quem sabe, misture dois molhos ou um molho e um condimento e por aí vai.
Tempere os ingredientes antes: vai colocar folhas ou outro vegetal no sanduíche? Salpimente (!) e adicione azeite numa tigela à parte e misture bem. Assim você garante que tudo estará devidamente temperado e evita o excesso de azeite escorrendo pelos seus dedos na hora de comer. Eu sou uma grande defensora de usarmos frango assado ou grelhado em vez do cozido, pois acho que traz mais uma camada de sabor. Torta de frango, coxinha, sanduíche… muito melhor com frango assado ou grelhado!
Atenção ao pão: você deve prestar atenção na proporção entre ele e o recheio. Aquele pão massudo com um recheio fininho não vai ficar legal. Se for necessário tire o miolo ou corte o pão, de maneira a deixá-lo mais fino. Também é importante dar a devida importância a ele: use um bom pão, de preferência artesanal. Eu amo sanduíche em pão de forma, como o utilizado nesta newsletter.
Tenha algo crocante: um sanduíche todo molengo não é tão gostoso quanto aquele que traz alguma crocância e adiciona uma "pegada" à mordida. Cebola frita, batata chips/palha, ou uma proteína empanada e frita funcionam bem. No caso da receita desta news, a crocância vem do repolho cru.
Seja generoso no recheio: a maioria das vezes que nos frustramos com o sanduíche feito em casa acontece porque não temos a quantidade certa de recheio. Primeiro que o sanduíche fica meio tristonho — e nós também — e segundo que a fome bate pouco tempo depois de terminarmos de comer. Claro que você deve prestar atenção à proporção, como mencionei no ponto acima sobre o pão, mas seja generoso com o recheio e terá sanduíches mais gostosos e que realmente te alimentam.
Neste sanduíche, eu substituí maionese por iogurte pelo simples fato de que AMO iogurte em tudo e acho que ele aporta untuosidade e cremosidade, como a maionese, mas com a diferença de que consigo usar em maiores quantidades — deixando meu sanduíche mais substancioso. E eu complemento o iogurte temperando-o com curry em pó. O repolho cru é a verdura da vez, cortado finiiiinho e temperado com limão ele traz crocância e acidez. Usei um pão de forma integral artesanal que é mais grosso e denso que o industrializado — além de saboroso, ajuda a dar mais firmeza na hora de segurar um sanduíche caprichado.
Atenção ao frango: você pode grelhar/assar seu peito de frango ou, como eu costumo fazer, usar o frango da padaria já assado. Eu amo assar um frango no final de semana, mas sou uma grande defensora dos de padaria, pois nem sempre dispomos do tempo e ânimo necessários, sobretudo durante a semana. Quando recorremos ao "frango de televisão" em uma receita, eliminamos uma etapa do preparo sem abrir mão de sabor e sem apelar para produtos industrializados e ultraprocessados. Facilite sua vida e seja feliz :)
Para ler e refletir | Quem vai fazer essa comida?
Ainda não terminei de ler o novo livro da Bela Gil, Quem vai fazer essa comida? Mulheres, trabalho doméstico e alimentação saudável (Ed. Elefante), mas já posso dizer que é uma leitura importantíssima. A economia do cuidado, que engloba os trabalhos domésticos não remunerados como cozinhar, cuidar da família e da casa, é responsável por 13% do PIB mundial (em torno de R$50 trilhões). É esse um dos temas centrais do livro de Bela e que é relacionado ao modelo e lógica de alimentação global vigente, o qual é dominado pelos produtos ultraprocessados e pouco nutritivos. Entram ainda nessa equação questões raciais e de classe.
Bela Gil, que inicialmente ficou famosa como apresentadora de programas culinários e defensora de uma alimentação vegana, vem ampliando seus esforços para jogar luz no caráter político da alimentação, no direito de todos a uma alimentação natural e "de panela". O livro vai além e mostra que para que isso seja possível, as pessoas por trás dos preparos e cuidados — geralmente mulheres — precisam ser devidamente remuneradas. Cozinhar para alguém pode ser um ato de afeto, mas quando vira obrigação diária em condições precárias, vira sobrecarga mental. “A mulher produz e mantém o maior bem da economia, que é a força de trabalho — ou seja, as próprias pessoas”. Poderoso, não é?
Compre o livro no site da editora (R$60,00) e leia mais sobre ele nesta ótima matéria da Ana Mosquera para a revista Quatro Cinco Um.
Para ler e fruir | Sal de fruta
O Círculo de Poemas é uma coleção de poesia e um clube de assinaturas que nasceu da parceria entre as editoras Fósforo e Luna Parque. Aliando o caráter plural do catálogo da Fósforo e o trabalho na edição de poesia feito pela Luna Parque, a coleção dedica-se à publicação de autores nacionais e estrangeiros, inicialmente compreendidos entre os séculos XX e XXI. A cada mês, um livro e uma plaquete chegam na casa dos assinantes ou podem ser comprados através do site.
“No mês de outubro, a plaquete Sal de fruta reúne quinze poemas assinados por Bruna Beber. Nesse mapa de frutas, a autora dedica um poema para cada uma delas, como se caminhasse por uma feira ou pelos lugares da memória onde elas habitam. Com humor característico de sua poesia, a poeta joga com os sons e com lugares comuns, revisita as próprias histórias para compor os textos e aprender a lição de cada fruta", como descreve a editora. A arte da plaquete, Mapa de frutas, é assinada por Daniel Almeida. Uma lindeza!
Custa R$40,00 no site do Círculo de Poemas. Comprei aqui.
Para assinar | Versão para colaboradores
Como a maioria de vocês já sabe, lancei recentemente uma opção de assinatura paga na qual envio mais conteúdos. Já teve roteiro gastronômico de Izakayas por São Paulo, receitas e dicas de livros. Semana passada enviei uma receita de pappardelle com camarão e açafrão. Vocês viram?
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Antes de ir…
Não se esqueça dos lanches!
Créditos:
Fotos: Flávia Ribeiro | Revisão: Eloah Pina
Pois é, sempre sobra! Tem muitos jeitos de comê-lo nos próximos dias dando uma boa variada :)
Aqui na Europa tem muito queijo bom por preço camarada mesmo!
lena, que delícia essa história de salpimentar as coisas. mas eu queria que, na vida, salpimentar fosse algo mais na linha de apimentar. mas quando a gente pensa que coisas salgadas são caras, dá realmente um sabor agridoce à coisa toda. vixe, tou misturando os sabores todos, e agora? e dizem por aí, as línguas acadêmicas que ainda temos um sexto sabor, então socorro!