ESCABECHE DE SARDINHA
"Obriguei-me a me contradizer para não me conformar com meu próprio gosto."* - Marcel Duchamp
Escrevo esta newsletter de Barcelona, na Espanha, para onde me mudei com a minha família no mês passado. Não temos data para voltar - pode ser que fiquemos meses ou anos. Enquanto vamos tentando nos desvencilhar das burocracias de imigração e daquelas outras mínimas porém necessárias para estabelecer uma vida em um lugar - como alugar apartamento e achar um pediatra - vou tentando me situar alimentarmente. São outros ingredientes (e mesmo quando se tratam de alimentos que temos no Brasil, são diferentes em sabor, intensidade ou textura), outra cultura, outro cardápio e até outros horários para comer.
Ao passo que vou me deliciando com o processo de desvendar tudo isso, penso sobre o quanto tais adaptações podem mudar (e provavelmente mudarão) o meu paladar. Há ingredientes e sabores que ainda desconheço e virei a provar, e há também as coisas de que não gosto, mas que por determinadas circunstâncias e repetições posso vir a gostar - o famoso paladar adquirido. Jeffrey Steingarten retrata muitíssimo bem, e com muito bom humor, o paladar adquirido "por insistência" na introdução do livro O homem que comeu de tudo. Inclusive, a insistência me ajudou a gostar de anchovas, como contei em uma newsletter dedicada a elas: "Precisamos falar sobre anchovas".
E o que é mudar de gosto senão mudar de opinião? E o que é mudar de opinião em um mundo que aparentemente tem cada vez mais apreço pela convicção e por algoritmos que te aproximam dos que pensam como você? A revista francesa Science et vie costumava perguntar aos seus entrevistados "quando foi a última vez que você mudou de opinião sobre alguma coisa?". Você saberia dizer quando foi a última vez que você mudou de opinião sobre determinado assunto? E sobre um gosto ou uma comida?
Certo dia, conversando justamente sobre esse tema no Instagram, um seguidor me perguntou: "Mas por que insistir em gostar de algo que você não gosta?". Mudar de opinião era algo que me parecia tão obviamente bom que na hora eu nem consegui responder. Foi preciso parar para racionalizar o porquê: gostar de mais coisas é ter mais oportunidades de me deliciar, mais ingredientes com os quais cozinhar e mais culturas para desbravar.
O meu trabalho de paladar é sempre com relação a peixes, sobretudo aqueles bem "peixudos" - e sei que é o de muita gente também. Este é o caso da sardinha, essa belezinha prateada que existe em abundância e tem preço sempre amigável, porém, tem sabor forte. É ela a estrela dessa news, em uma versão escabeche - que espero que seja uma porta de entrada para outros preparos com este peixe.
Não nos conformemos com nossos paladares; baixemos a guarda do gosto.
Hasta el proximo boletin,
Lena
*I have forced myself to contradict myself in order to avoid conforming to my own taste.
Escabeche de sardinha
Ilda Vinagre é uma cozinheira portuguesa que morou no Brasil por alguns anos, quando chefiou a cozinha do restaurante A Bela Sintra, em São Paulo. Sua trajetória é inspiradora e deu origem ao livro Saudade tem gosto, lançado pela editora Melhoramentos em 2015. Foi justamente lendo seus relatos entremeados por receitas que senti um ímpeto de preparar sardinhas escabeche. O paladar adquirido não é nenhuma ciência exata e acredito que o tipo de preparo somado à leitura me deixou mais propensa a gostar da tal sardinha.
O escabeche tem origem com os mouros, que ocuparam a Espanha por quase 800 anos, e o preparo consiste em marinar o peixe (também fruto do mar ou carne) em um molho ácido - normalmente azeite e vinagre. Pode ser temperado com louro, cebola e até vegetais.
No caso das sardinhas, o preparo é bem conveniente, pois é super rápido e coringa. Compartilho aqui algumas ideias do que fazer com elas:
Servir como entrada, acompanhada por um bom pão, chips de batata e vinho branco;
Preparar um sanduíche generoso com um mix de folhas verdes e pão embebido no azeite da marinada;
Preparar uma salada de macarrão, aos modos das que fazemos com atum, e servi-la em temperatura ambiente;
Servir como prato principal, acompanhado por batatas cozidas ou assadas.
Repare que todos os pratos renderão uma refeição deliciosa em poucos minutos. Também são todos ideais para um piquenique ou encontro com amigos. Ou, ainda, para assistir um jogo da copa com o pessoal. Ao menos para os brasileiros, essa última opção vai ter que ficar para daqui quatro anos.
Esta receita leva poucos ingredientes e a qualidade deles vai influenciar muito no resultado final. Sobretudo o azeite, que eu gosto de usar em abundância para que seja possível aproveitar a marinada para temperar esses e outros preparos. Peça sardinhas frescas e já limpas para facilitar sua vida, mas lembrando que mesmo limpas, elas poderão ter espinhos*. Não se preocupe! Eles costumam ser "moles" e podem ser ingeridos.
*os da foto vieram com a nadadeira de trás, mas você pode pedir sem.
Para enfeitar | Coleção Pomar
Sobre figos, Nina Horta disse: "(…) muito mais gostosos se amadurecem no pé e se são comidos logo depois de apanhados, ainda mornos de sol". E Adélia Prado: "(…) então me dá choro, horas e horas, o coração amolecido como um figo na calda". Foram essas referências literárias que a jornalista gastronômica Luiza Fecarotta selecionou a dedo para um texto sobre a fruta e que encantaram a amiga e designer de tecidos e superfícies Mariana Agmont. A parceria entre as amigas deu origem a uma coleção de toalhas de mesa e jogos americanos ilustradas com frutas intitulada "Pomar".
A produção é toda feita no Brasil, em edição limitada. Segundo Luiza, "a coleção Pomar traz frutas para a sua mesa com muita cor e bom humor. São resistentes e práticas, fáceis de limpar e não amarrotam com facilidade". E assim como a dupla, eu também acredito que "a beleza e a funcionalidade são a receita ideal para tornar qualquer refeição especial".
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Para ouvir | Entrando no clima de Natal
Gosto de marcar o começo do final de ano com músicas de Natal. Vale de Simone à músicas estrangeiras que falam de um Natal com neve, mesmo que elas sejam distantes da nossa quente realidade. O que não pode faltar, é claro, é o hit da Mariah Carey! Deixo aqui alguns discos que embalam meu final de ano:
Christmas Party, da dupla She & Him
A Charlie Brown Christmas por Vince Guaraldi Trio
Trilha sonora do filme Esqueceram de mim, de John Williams
Christmas Songs, de Frank Sinatra
Christmas, de Michael Bublé
Para se organizar | Calendário do Estúdio Arado
O final do ano está logo ali e, portanto, já começamos a espiar 2023. Para quem ainda valoriza se organizar de maneira impressa, ter um calendário é imprescindível. Se for lindamente ilustrado e divulgar a cultura brasileira, melhor ainda.
O Estúdio Arado é um instituto de "pesquisa e divulgação do imaginário rural brasileiro" que foi fundado em 2018. Através do Instagram podemos acompanhar o trabalho de educação, memória e cultura que eles têm feito. A cada ano é escolhida uma temática para ilustrar o calendário: 2020 foi o ano das frutas, verduras e hortaliças; em 2021, o ano dos peixes da costa brasileira; 2023 será o ano do café. Batizado de "Do cafezal ao cafézinho", o calendário homenageia essa bebida que é onipresente nos lares do Brasil: "De norte a sul e de leste a oeste, o café está presente na mesa e no coração das pessoas. No coração, sim, já que o cheiro dessa bebida preenche o vazio da nossa casa e logo o reconhecemos enquanto lar. Talvez por isso a nossa sensação de conforto e acolhimento quando o cafezinho está posto à mesa."
Além de lindos, são pedagógicos e reforçam a tradição dos calendários de parede - também conhecidos como "folhinha" - das casas e comércios brasileiros.
Custa R$99 no site do Estúdio Arado.
Memes & Tweets
Créditos
Fotos: Bruno Geraldi | Revisão: Eloah Pina | Cerâmica: Atelier Muriqui
Estava com saudades da sua news, Lena!
Gostei muito da pergunta "quando foi a última vez que você mudou de opinião sobre alguma coisa?". Neste ano me propus a tentar de novo várias coisas que não gosto. E, na cozinha, descobri que gosto, sim, de banana, beterraba e abacate. O melhor é o que você disse - a gente amplia as possibilidades e prova várias novas delícias.
Adorei, Lena!
muitas dicas!
Gracias!!! Feliz Navidad!