Ninguém tem a receita da felicidade. Na hora infeliz, de nada valerão os mais elaborados cozidos da contemplação. Se para algumas mulheres a tristeza é até motor do apetite, não convém empanturrar-se nos dias de angústia. - Héctor Abad, Livro de receitas para mulheres tristes
Pudim de iogurte com calda de manga e maracujá
Como andam os ânimos aí na sua casa? Por aqui, a pura ansiedade da montanha. Difícil pensar em qualquer outra coisa quando a democracia do seu país está em risco, não é? Meu Instagram está às moscas e essa newsletter mesmo, quase nem saiu. Porém, às vésperas do nosso Dia D, cozinhar pode ser uma boa fonte de distração para aqueles que podem se dar ao luxo de não só matar a fome, como dar contornos aos desejos e ainda apaziguar o coração através da comida.
Hoje trago uma receitinha descomplicada porque de complicação a nossa vida já anda bem cheia. De quebra, ela faz um contraponto à última newsletter que propôs mariscos e fritas - que como gentilmente colocou uma leitora, a fazia crer que minha news era para os mais versados na cozinha. Sei que esta newsletter, como a grande maioria das coisas na vida, não é para todos. Porém, gosto de pensar que ela pode ser para muitos.
Além de bem simples, essa receita é docinha - o que me fez lembrar de um trecho lindo do Livro de receitas para mulheres tristes, de Héctor Abad (Ed. Companhia das Letras), e que traduz o porquê da escolha doce neste momento: "Não por acaso o doce é servido no final do jantar. Só aceitamos os doces depois de saciada a fome, apagada a necessidade. O doce faz esquecer o que a operação de nos alimentarmos tem de necessário, e portanto de lúgubre e de mortal; ele nos reconcilia com a porção divina da vida e faz renascer em nós o riso. Castigo é deixar uma criança sem sobremesa, pois é como privá-la do prazer e do consolo".
E antes de me despedir, é sempre bom lembrar que cozinha é cultura, convivialidade, criatividade, liberdade e mais uma monte de outras coisas maravilhosas que não existem sem democracia. Por isso, espero que o próximo texto seja escrito em meio às celebrações e com o coração cheio de esperança por um Brasil com menos fome, menos armas, mais educação e mais florestas.
Até lá,
Lena
PS: caso você seja um indeciso e queira conversar, responda a este e-mail e bora bater um papo!
Pudim de iogurte
Já adianto que essa sobremesa merecerá um lugarzinho no seu livro de receitas caseiras ao lado do brigadeirão, do pudim de leite, do bolo de cenoura e de tantas outras que deixam o nosso dia a dia mais doce sem tanta complexidade. Os ingredientes são poucos e bem conhecidos: iogurte, leite condensado, essência de baunilha e creme de leite fresco. Misturou, assou e está pronto!
Deparei-me com essa receita pela primeira vez no livro One tin bakes, de Edd Kimber. Conhecido no Instagram como The boy who bakes, ele foi o vencedor da primeira edição do famoso reality show Great British Bake Off. Edd serve seu pudim com frutas assadas, mas eu queria trazer mais acidez para contrabalancear a doçura e fiz uma calda de manga com maracujá.
Ao tirar colheradas de pudim, você notará que há um pouco de líquido: é a água que desprende do iogurte. Se puder, use iogurte grego que é mais espesso justamente por ter menos líquido.
Calda de manga com maracujá
Eu até acho o pudim gostoso puro, mas esta calda de manga com maracujá combina perfeitamente com ele! Você também pode servi-lo com geleias ou frutas assadas.
Essa aqui leva bastante fruta e pouco açúcar. O maracujá quebra o dulçor e traz um azedinho que não deixa a gente se enjoar, sabe? Eu adoro sobremesas com maracujá e gosto da textura das sementes, mas até um certo ponto. Por isso, maneiro na quantidade. Como? Passo a polpa pela peneira e depois separo uma quantidade menor de sementes para adicionar de volta à polpa. Assim garanto um pouco da textura crocante e um pouco da graça que os pontinhos pretos conferem!
Acredito que você também vá gostar de servi-la com sorvete de baunilha ou mesmo com um iogurte pela manhã.
Para ler | Da botica ao boteco
Néli Pereira é dessas figuras especiais que une diversos conhecimentos e habilidades e ainda tem carisma de sobra. Além de ser formada como jornalista e ser mestre em estudos culturais latino-americanos pela University of London, é mixologista e pesquisadora de brasilidades. É também sócia do Espaço Zebra, em São Paulo, que une arte e coquetelaria. Ela acaba de lançar o livro Da Botica ao boteco: plantas, garrafadas e a coquetelaria brasileira, pela Ed. Companhia de mesa.
Não se trata de um livro de receita, apesar de haver algumas espalhadas por suas duzentas páginas, mas de um compilado das investigações de Néli sobre as plantas, raízes, cascas e seus sabores. Uma pesquisa linda que entrelaça coquetelaria, botânica e medicina popular. Como bem pontuou Luiza Fecarotta em sua resenha, no jornal Folha de S.Paulo,
"Ao longo deste compilado de plantas brasileiras, a autora vai estimulando o leitor. Faz florescer um interesse sobre elas - um interesse que pode colaborar para a manutenção de várias espécies ameaçadas de extinção. A coquetelaria ergue-se como agente protecionista, a preservação por meio do uso". Lindo!
A versão impressa custa R$59,90 e o ebook R$37,90, ambos disponíveis no site da editora. Compre aqui.
Para assistir | Chef's Table Pizza
Achei que a essa altura do campeonato estaria, como muitos, saturada de Chef's Table - a saga da Netflix criada por David Gelb em 2015 que conta a trajetória de figuras do universo gastronômico. Isso porque, apesar dos episódios terem diretores diferentes, o formato é sempre o mesmo. Porém, boa parte das histórias retratadas são realmente impressionantes e emocionantes, e não faltam episódios que enchem os olhos d'água.
Depois de várias temporadas dedicadas a chefs de alta gastronomia, a série até tentou cobrir outros perfis e chegou a fazer algumas temporadas temáticas, como a que retratou profissionais de confeitaria e a de comida de rua. Não sei se foi pelo excesso de conteúdo em uma toada intensa, dada a popularidade da série, mas algumas temporadas não me pareceram tão bem sucedidas.
Porém, a última, lançada recentemente, se debruçou sobre o universo das pizzas, e voltou a emocionar. Além de fazer um bom uso do formato, encontrou figuras com histórias de vida interessantes e conciliou personalidades bem diferentes com tipos de pizza que vão do clássico a criações inusitadas.
Disponível na Netflix. Assista ao trailer oficial aqui e a uma versão legendada em português aqui.
O que é o Substack e como usá-lo
Já faz três edições que a newsletter é enviada por esta outra plataforma, o Substack. Resolvi "gastar" tempo para falar sobre ela porque tenho tido uma experiência maravilhosa não só como autora da newsletter, mas como leitora de outras tantas.
Há tempos eu sentia falta de quando a internet era um ambiente mais propício para leituras. Não que ainda não existam sites interessantes com textos maiores que um tweet ou um post de Instagram. Mas a verdade é que nos últimos anos a internet virou um lugar inóspito onde anúncios excessivos e ambulantes são um atentado à nossa capacidade de concentração e ao nosso bem-estar mental. Às vezes, chego ao cúmulo de copiar o texto e colar no word para ler em paz.
A isso se soma todo o lance das comunidades que se criavam em torno de alguns escritores em seus blogs ou mesmo de produtores de conteúdos no Instagram e que vêm deixando de existir. Agora, em função do sucesso do Tiktok com seus vídeos curtos e seu funcionamento frenético, e da tentativa do Instagram de fazer frente ao gigante chinês, não temos mais nem o direito de ver aquilo que escolhemos seguir. Somos impactados pelo que o algoritmo acha que devemos ver, independente de seguirmos tal pessoa ou marca. Como bem pontuou Ronaldo Lemos em sua coluna no jornal A Folha de S.Paulo :
“O algoritmo vai buscar conteúdos produzidos no mundo todo, por pessoas que você não sabe quem é e que podem nem viver no mesmo país, e mostrar aquele conteúdo para você caso determine que é algo que pode te interessar. Em vez de comunidades, as pessoas vão se conectar com uma massa amorfa e abstrata, com a qual não têm nenhuma conexão direta”. Socorro!
O Substack faz frente a isso e está ajudando a recriar este ambiente de leituras e ainda promove a volta das comunidades. São milhares de autores independentes produzindo conteúdo de qualidade (gratuitos e pagos) que vão de músicos (atenção que até a Patti Smith escreve sua newsletter lá!) e DJ's a culinaristas, passando por professores de universidades renomadas e especialistas em assuntos bastante específicos. Você encontra newsletters de música, receitas, literatura, economia, NFTs, criptomoedas, moda, estilo de vida, contos, ilustração e mais uma infinidade de assuntos. Não há propaganda, pois o modelo financeiro da plataforma consiste em ganhar uma participação de 10% em cima dos conteúdos pagos, não cobrando nada dos autores que escrevem gratuitamente.
E o funcionamento é simples: você se inscreve nas newsletters que te interessam e passa a recebê-las por email. Esse conteúdo fica arquivado no perfil do autor, caso você queira retornar a eles posteriormente ou ler conteúdos anteriores à sua assinatura. Para facilitar a leitura, você pode baixar o aplicativo do Substack - o que eu recomendo fortemente. Ali, você tem uma timeline que te mostra cronologicamente apenas o conteúdo dos autores que você escolheu seguir sem nenhuma interferência externa.
Existem ainda recursos para salvar textos que mais te agradaram, outros para compartilhar, comentar, dar like, optar pagar por conteúdos exclusivos e até virar um autor você mesmo.
Se você, assim como eu e tantos outros, se sente órfão de um ambiente tranquilo e propício para leituras digitais, o substack é pra você. Ali no meu perfil, além de contar um pouco mais sobre mim e a minha newsletter, você encontra todo meu arquivo de conteúdo e recomendações de outros autores.
Boas leituras!
Memes & tweets
Créditos
Fotos: Bruno Geraldi | Revisão: Eloah Pina
Não menos inspirada que a frase citada ao final do texto, minha filha costumava dizer, quando criança, que tinha três estômagos: uma pra comida, um pra sobremesa e um pra suco rsrs
como sempre, uma leitura maravilhosa!
sigo aqui ansiosa com domingo, mas cheia de esperança.
venceremos!