COMPOTA DE AMEIXA E OS AMIGOS AO REDOR DA MESA
"Someone's knockin' at the door/ Somebody's ringin' the bell/ Do me a favor,/ Open the door and let 'em in"* — Paul McCartney
Sempre gostei da ideia de cozinhar e de receber pessoas, afinal, cresci numa casa em que o fogão estava sempre cheio de panelas enormes e fumegantes e que acolhia amigos com mesas fartas. Mas, apesar disso, sempre achei um grande desafio cozinhar para mais que quatro pessoas.
Apenas recentemente comecei a aprender um pouco mais sobre a arte (e logística) de receber mais pessoas. Tudo começa com aprender a relaxar e não querer fazer tudo perfeito (alô virginianos e virginianas!). Não é necessário estar sempre em estado de tensão — até porque anfitrião tenso não deixa a visita à vontade. Depois, convém não ter a audácia de se arriscar a fazer receitas nunca antes testadas — faça algo que você conhece, que sabe o sabor que tem, o trabalho que dá etc. Pensar em receitas que não exigem finalização, que possam ser servidas mornas e em grandes travessas, é uma ótima ideia para quem está iniciando na arte de receber convidados! Se organize para deixar pronto um dia antes tudo aquilo que puder ser feito com antecedência, como as compras, gelar as bebidas, comprar flores, pensar na música. Eventualmente, faça pré-preparos da refeição: deixe ingredientes picados e porcionados, faça a sobremesa, deixe o vinagrete da salada pronto na geladeira.
Receber amigos só é legal se a gente que recebe puder curtir junto, se for participar dessa comunhão e compartilhar os bons momentos. Até porque, cozinhar para alguém é algo muito especial. Como disse a escritora Maya Angelou: "comer é tão íntimo. É muito sensual. Quando convidamos alguém para sentar à nossa mesa e queremos cozinhar para essa pessoa, estamos convidando-a para a nossa vida."
Tudo isso para dizer que fiz essa compota de ameixas e ficou tão boa que quis compartilhar. Levei na casa de uma amiga querida — e grande anfitriã — em uma noite relaxada e descontraída diante de uma mesa comprida e cheia de tapas e velas. Depois de muitos petiscos e drinques, a sobremesa veio a calhar. Aliás, todo mundo costuma levar bebidas e pratos salgados, mas a sobremesa sempre fica meio esquecida, não é mesmo? Fica a dica porque todo mundo adora, seja porque é gostoso seja porque ainda ajuda a evitar aquela maldita ressaca.
Servi a compota com um sorvete de baunilha dividido igualmente entre todos. Ficou a lição de sempre levar um pote a mais para aquele famoso "vai que": vai que tem mais gente do que imaginamos, vai que mais ninguém leva sobremesa, vai que todo mundo quer repetir — como foi o caso. Comemos todos em pé, ali em volta da mesa, cada um servindo e passando os potinhos de mão em mão. Sabe quando fica um silêncio porque está todo mundo curtindo quietinho? Bom sinal!
Aliás, acredito muito na ideia de que a situação e o contexto colaboram com o sabor que um prato terá, para melhor ou pior. Sabe quando um belo encontro deixa um vinho simples mais especial? A ocasião pode ser uma festinha superlegal na casa da amiga, mas também um jantar despretensioso de dia de semana, em casa, com alguém que você ama.
Bora cozinhar para compartilhar?
Até a próxima news,
Lena
*"Alguém está batendo na porta/ Alguém está tocando a campainha/ Faça-me um favor,/ Abra a porta e deixe-os entrar"
Compota de ameixa com cassis
Eu estava com vontade de comer compota de ameixas desde que tinha visto a receita no livro Cooking - Simply and Well, for One or Many [Cozinhar - Simples e bem, para uma ou muitas pessoas], do Jeremy Lee — livro sobre o qual já falei na news para assinantes colaboradores! Pois um dia desses, mesmo não sendo a época, dei de cara com algumas ameixas vermelhas vindas de Zaragoza no mercado aqui da esquina. Pelo toque e pelo aroma me pareceram maduras, então resolvi comprar.
Estavam realmente boas e doces, assim não quis colocar tanto açúcar. Adicionei um pouquinho de suco de limão, uma fava de baunilha e deixei cozinhando em fogo baixo. Fui provando e mesmo já estando deliciosa, sentia que poderia colocar algo mais… mas o quê? Primeiro pensei num vinho do porto, mas não tinha. Olhei pra trás e vi uma garrafa de licor de cassis (sou uma grande fã de Kir/Kir Royal, bem como de creme de papaya com cassis). Uma dose depois, a ameixa tinha ganhado um sopro de vida: ficou mais intensa e com uma camada extra de sabor. O licor combinou muitíssimo bem e a compota ficou divina.
O lance desse preparo é não cozinhar demais e nem ficar mexendo muito para que, ao final, tenhamos alguns pedaços de ameixa no meio da compota. Aproveite que ainda é época de ameixa aí no Brasil para fazer um pote delas para você e seus amigos. Se achar a variedade que é vermelha por dentro, recomendo muito — tanto pela cor quanto pelo sabor.
Como servir
Abaixo, algumas das muitas maneiras como eu gostaria de consumir e venho consumindo essa compota.
Com sorvete
Com iogurte e granola
Com queijo fresco, ricota ou mascarpone
Como calda para um bolo
Com alguma outra fruta assada/grelhada, como uma bela pera.
Pura, às colheradas, no meio tarde.
Para ouvir | A sobremesa de C. Tangana
Para quem não conhece, o Tiny Desk é um programa incrível de concertos veiculados no Youtube que são realizados no escritório da rádio NPR. Como o nome sugere, o lugar é pequeno e os artistas que passam por ali vão dos alternativos aos nomes de peso. O esquema é sempre o mesmo: o artista canta ao vivo acompanhado de sua banda ou outros músicos. Porém, durante a pandemia, o conhecido cenário teve que ser deixado de lado e surgiram os Tiny Desk (Home) Concerts, ou seja, shows gravados em casa como este em que figurou o cantor madrilenho C. Tangana.
Para compartilhar algumas músicas de seu disco El Madrileño (2021), que estava sendo lançado na época, Tangana fez algo diferente e sentou em torno da mesa com amigos, músicos e familiares (sua mãe e sua tia, por exemplo). A mesa estava posta com frutas e bebidas e o sol do final da tarde caía nela… a coisa mais preciosa e exemplo maior da sobremesa. Explico: aqui na Espanha, a sobremesa não é o doce que comemos depois da refeição (aqui se chama postre), mas esse momento pós-refeição em que ficamos ali conversando. Achei lindo esse termo!
É um show que além de celebrar o flamenco, resume a beleza e a alegria do poder de nos reunirmos em torno de uma mesa para comer e celebrar em comunhão. As duas primeiras músicas — Me Maten e Los tontos — são realmente especiais e valem a pena de serem ouvidas/vistas.
E para quem não conseguiu parar de reparar na casa onde eles estão: conhecida como Casa Carvajal, ela foi construída há mais de 50 anos pelo arquiteto Javier Carvajal para o próprio e sua família. Moderna e brutalista, está cercada por natureza e é realmente linda.
Para ler e guardar | Post do St. John
Quem cresceu vendo os pais reunirem os amigos e já acordou numa casa bagunçada com todos os resquícios da noitada anterior talvez seja "mordido" por esse texto bonito do chef Fergus Henderson* "sobre o prazer de ver uma mesa desarrumada. Uma prova inebriante de alegria":
"O meu pai adorava comer, a minha mãe adorava cozinhar, ambos adoravam receber, e estes eram os tempos despreocupados do final dos anos 60, em que a cautela era atirada ao vento e os meus pais iam para a cama sem arrumar nada. Nessas manhãs pós-jantar, os meus sentidos recém-acordados eram expostos aos detritos das festanças da noite anterior: uma toalha de mesa de caxemira, copos meio bebidos de um bom vinho tinto, o fantasma inebriante do fumo do charuto, e a peça central: os restos de um grande crème caramel. Eu inspirava aquilo tudo com profundo prazer. Este era o almíscar de um bom momento, o almíscar que tem sido a minha motivação desde então".
*Fergus é mundialmente reconhecido pelo seu trabalho no restaurante St. John (Londres) e disseminou o conceito "nose to tail" [do focinho ao rabo] — que posteriormente deu nome ao seu livro.
Para se informar | Guia do Eater para receber
O site americano de gastronomia Eater anunciou que 2024 será o ano de entreter e receber os amigos em casa! Para isso, criou uma seção dedicada ao tema com dicas de como preparar recepções que vão das mais simples às mais elaboradas, tendências de restaurantes que se adaptam às recepções caseiras, dica de objetos que podem ajudar e embelezar sua noite, respostas a dúvidas e discussões como se é ok ou não comprar a comida pronta para receber, e por aí vai. Se você é um entusiasta do assunto. Leia aqui!
Para quem precisar de tradutor, copie e cole o texto no DeepL.
Créditos:
Revisão: Eloah Pina
Obrigada. Seus textos fazem os dias melhores em vários sentidos.
que news deliciosa, Lena! sempre que te leio renovo o crush de amizade que tenho há anos.
a definição mais linda que já vi da sobremesa espanhola está nessa edição do Conchas: https://open.substack.com/pub/marianalopesvieira/p/sobremesa?r=4jk9x&utm_medium=ios&utm_campaign=post
vi que a autora até fez um comentário ali em cima e achei bem lindo que ela não tenha compartilhado o próprio texto.