O AMOR, OS POTES E O BOLO DE RICOTA COM LIMÃO
O primeiro sinal de problemas conjugais é quando um homem ou uma mulher acha desagradável ficar frente a frente à mesa. — Richardson Wright, Bed-book of Eating and Drinking (via Love in a dish)*
1 - Quem acompanha a news há um tempo sabe que eu não costumo criar menus elaborados para celebrar o dia dos namorados. Acredito que 12 de junho seja o pior dia do ano para visitar qualquer restaurante e não acho que a felicidade esteja naquele formato preconcebido de romantismo de buquês de rosas, jantares chiques e presentes mirabolantes. Sou dessas que procura o romance dos pequenos detalhes no dia a dia.
2 - Eu sempre tive a sorte de ter amigos que viraram vizinhos ou vizinhos que viraram amigos. Numa dessas, me tornei vizinha de uma grande amiga ali na Vila Madalena, logo ao lado do saudoso Mercearia São Pedro. Um belo dia ela me ligou esbaforida perguntando se eu estava em casa, ao que respondi que sim. Dois minutos depois lá estava ela, me estendendo um pote de azeitonas pretas: me ajuda a abrir? Ela estava cozinhando, o date ia chegar em breve, mas ela não conseguia abrir o pote. Corri pra boca do fogão, aproximei a tampa do fogo e fui entornando-a sobre a chama — truque que minha amiga então desconhecia. Cobri a tampa com um pano e ploft, abri! Ela agradeceu e saiu correndo para terminar o jantar. Hoje, mais de dez anos depois, gosto de pensar que cooperei com aquele começo de namoro que virou casamento e duas lindas filhas. Só esqueci de perguntar o que ela estava cozinhando.
3 - Um dia, contando esse episódio para o meu marido, ele me contou outra história sobre potes e amor. Já não sei dizer quem contou para ele. Mas, em resumo, o avô desse alguém fechava os potes de casa com muita força só para a avó não conseguir abrir sozinha e ter que vir lhe pedir ajuda, enquanto ele, se sentindo muito galanteador e necessário, a "salvava".
4 - Não faz muito tempo, me vi numa situação parecida. Já nem sei porque eu e meu marido tínhamos brigado, mas me peguei na cozinha tentando em vão abrir um pote de vidro. Logo eu que salvei o jantar da minha amiga não tinha muito como resolver meu próprio problema, já que aqui em Barcelona quase todos os fogões são por indução ou, pior, vitrocerâmicos. E lá fui eu, meio emburrada, pedir pra ele abrir pra mim. Ele pegou o pote todo carrancudo, abriu, olhou pra mim e sorriu: você lembrou da história do fulano e veio me pedir ajuda, né? Pior que eu nem lembrava. Talvez estivesse no meu inconsciente. Até onde eu sei, ele não fechou o pote de propósito, mas veio a calhar. Rimos os dois.
5 - Um café da manhã caprichado, uma playlist cuidadosamente curada, um ingrediente especial que não faz parte das compras do dia a dia para compor o jantar, um vinho melhor que o habitual. Quem sabe um filme ou série para fechar?! O que isso tem de diferente dos demais dias? Quase nada. Talvez a escolha da receita, o investimento em um vinho melhor, um comprometimento de ambas as partes em não se deixar levar pelo sono e ver o filme até o final.
6 - Ou então escolha um dia qualquer, faça um bolo bem gostoso como este desta news, de ricota com limão e amêndoas, e ofereça uma fatia generosa com café quentinho para o seu amor. Romântico mesmo é quando o dia a dia é bom. Ou bom mesmo é quando o dia a dia é assim romântico?
Até a próxima news,
Lena
*The first sign of marital trouble is when a man or woman finds distasteful to face each other at the table... I am convinced that a man and wife with congenital appetites and a knowledge of foods and cooking have the basis for lasting happiness.
BOLO DE LIMÃO, RICOTA E AMÊNDOAS
Fazia tempo que eu não assava um bolo em casa. Talvez porque esteja fazendo muitos doces no meu curso da Escuela Hofmann e passe uns bons dias tentando dar vazão aos doces que faço. Mas ganhei uma batedeira de presente do meu marido (e não foi no dia dos namorados. Foi num dia qualquer e foi uma surpresa incrível!) e quis pô-la em uso. Pena que veio com um defeito e precisei devolver. A nova demora alguns dias para chegar, mas eu já estava com este bolo na cabeça e resolvi manter o manter o plano com minha velha batedeira de mão que comprei usada de uma amiga.
Este bolo junta três ingredientes que encontro com muita qualidade e facilidade aqui em Barcelona. O limão mais comum por aqui é o que conhecemos como limão siciliano — nosso limão taiti se chama lima e é menos usado, apesar de ser facilmente encontrado. Algumas vezes consigo até comprá-lo na versão orgânica e sem aquela cera que comumente os reveste. Talvez você nem saiba, mas essa casca brilhante e lisinha que os limões têm é resultado de uma cera aplicada para retardar a despigmentação da casca e perda de água, aumentando a durabilidade da fruta na prateleira. Porém, perdemos parte da intensidade de sua fragrante casca — uma pena —, além de aparentemente ser um produto derivado de petróleo. Como a oferta de ricotas italianas aqui é incrível, com queijos cremosos e adocicados, compro com muita frequência. Falo delas um pouco mais abaixo. Somem ainda a abundância de amêndoas que são consumidas não apenas torradas e salgadas, mas também em preparos salgados e doces. Trata-se de um bolo simples, mas que ao ser feito com excelentes ingredientes, resulta em um produto final delicioso, fofinho, aromático e doce na medida.
Existe um sem-fim de receitas de bolo de ricota e limão, mas acabei optando por essa receita do site Serious Eat. Gosto como eles sempre explicam um bocado dos porquês. Sobre a ricota, que entra em generosos 425g, eles dizem: "a ricota, o único ingrediente que não é padrão em praticamente qualquer massa (de bolo), é particularmente importante aqui. Não só acrescenta sabor e riqueza ao bolo, mas também ajuda a engrossar a massa sem contribuir com o glúten. Isso significa que podemos usar menos farinha sem acabar com uma massa muito fina e aguada. Como a ricota não é um ingrediente padrão para massas, mas tem um grande impacto na forma como o bolo cozinha, ela acabou sendo um coringa no desenvolvimento desta receita".
COMO ESCOLHER UM BOA RICOTA?
A ricota é um subproduto da produção do queijo e é obtida quando o soro do leite que sobra do processo é aquecido — daí o nome em italiano ricotta ou “recozido".
Sinto que poderíamos ter uma oferta maior e melhor de ricotas no Brasil. Muitas das que encontramos com mais facilidade nos supermercados são secas, compactadas, esfarelentas e sem gosto. Procure ricotas cremosas, levemente adocicadas e com sabor pronunciado de leite. Eu adoro as ricotas da Gioa e da Búfala Almeida Prado. Talvez não sejam as mais fáceis de serem encontradas e confesso que nem sei quanto estão custando. Mas, se encontrar e puder, prove-as, pois elas realmente têm qualidade superior.
Caso não encontre um bom produto ou o encontrado esteja muito caro, considere fazer uma versão caseira com a ótima receita da chef Gabriela Barretto, cozinheira e proprietária dos restaurantes Chou e Futuro Refeitório. A receita, publicada no caderno Paladar, segue abaixo, depois da receita do bolo. Ela faz parte do excelente Como cozinhar sua preguiça — um dos meus livros de receitas preferidos. Eu, se fosse você, o compraria já!
RECEITA DO BOLO
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